No livro Fundamentos da clínica psicanalítica, no
capítulo "sobre o início do tratamento", Freud faz uma interessante
comparação sobre as regras para o exercício do tratamento psicanalítico com o
jogo de xadrez, onde apenas as jogadas de abertura e as finais permitem uma
representação exaustiva, enquanto as demais jogadas, a partir da abertura,
acabam por frustrar tal representação.
Dessa
forma, ele busca reunir algumas regras para o início do tratamento de forma a
auxiliar o analista praticante, porém apresenta essas regras como
"recomendações", não havendo obrigatoriedade em sua utilização.
Isso,
devido ao fato de lidarmos com seres humanos, com suas singularidades psíquicas
e com a plasticidade dos processos anímicos, inviabilizando uma técnica
mecanizada. Acontece que um procedimento considerado justificável pode se
tornar sem efeito em determinados casos, e um procedimento considerado errôneo
ou inadequado pode, em alguns casos, levar ao objetivo esperado.
A frase
"cada caso é um caso" cabe bem nessa explicação.
Com relação
às recomendações citarei as mais importantes no contexto da clínica
psicanalítica.
A seleção dos pacientes: existem casos que podem ser recusados, por inúmeros motivos; mas o mais importante é ter a compreensão de que o analista não é obrigado a aceitar todos que o procuram.
Tempo para diagnosticar: é preciso ter tranquilidade para realizar o diagnóstico psicanalítico. O analista pode, a princípio, ter um olhar para um quadro específico, dentro das neuroses, e depois compreender que de fato, trata-se de uma questão neurológica, com a demência.
Não tratar pessoas das relações do analista: como explicado em um dos artigos do blog, a transferência é fundamental para que a análise ocorra, ou seja, o analisando vê o analista como alguém relacionado a sua vida, como um pai, tio, professor, enfim...essa transferência fica prejudicada quando há, de fato, uma relação entre analista e analisando, causando sérios prejuízos que poderão refletir no contexto do qual fazem parte.
Tempo e dinheiro: com relação ao tempo é importante considerar que por lidar com questões do inconsciente reprimidas/recalcadas, não há previsão de tempo de duração. E com relação ao dinheiro, Freud fala sobre a Psicanálise ser acessível às camadas mais pobres, e embora o contexto fosse outro, algumas coisas não mudaram. Até porque a proposta apresentada era de cinco sessões semanais e atualmente sabemos o quanto é difícil fazer 2 por semana, sendo comum 1 sessão semanal.
Uso do divã: o uso do divã tem grande importância no setting analítico (clínica analítica), pois promove o relaxamento do analisando auxiliando na livre associação. Outro detalhe é que o analista não fica de frente ao analisando, permitindo que este fique mais a vontade.
Como
iniciar o tratamento?
O
analisando deverá falar a respeito do motivo de estar ali, de ter procurado a
Psicanálise; poderá iniciar pela história de vida, história da doença, ou
alguma lembrança da infância. Estará livre para falar de si próprio.
Associação
livre e atenção flutuante.
Entre todas
as recomendações, a única questão que Freud fez, foi que a Psicanálise seja
fiel aos seus preceitos, ou seja, o trabalho investigativo do inconsciente
ocorre a partir da livre associação de ideias, onde o analisando fala tudo
o que lhe vem a mente e o analista estará atento a algumas questões como, a
troca ou esquecimento de nomes de determinadas pessoas, troca de palavras,
demonstração de desafeto em alguns relatos, chistes, conteúdos de seus sonhos,
postura e atitude do analisando, entre outros.
Dessa forma o analista deverá manter sua atenção flutuante, ou seja,
panorâmica, sem se apegar a detalhes, mas mantendo-se aberto a tudo o que pode
ser-lhe apresentado e dar algumas respostas para certas indagações.
Referência
Freud, Sigmund. Fundamentos da clínica psicanalítica. Editora Autentica, 2017.
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