O que é e o que não é Psicanálise?

A Psicanálise não é terapia ou psicoterapia, é um método investigativo. Busca compreender os sentimentos, ações e reações, assim como a explicação e interpretação daquele conteúdo de traz sofrimento. Sendo assim, não trabalha com os sintomas, mas com sua causa. Não entra em contexto de cura, mas do alívio desses sintomas, a partir do conhecimento da causa. Procura tornar consciente o que está inconsciente, para que esse conteúdo seja ressignificado. Psicanálise não é orientação. Não trabalha com hipnose, mas com a livre associação de ideias. Sua proposta está voltada para o autoconhecimento.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Escola produtora de traumas: criando crianças neuróticas



Quando as crianças chegam ao ensino fundamental, surge uma mescla de sentimentos: ânimo por se sentirem quase adultos (pelo menos é o que pensam), insegurança por não saberem se terão amigos, medo relacionado aos professores (pois sempre tem aquele que é mais bravo) e aos novos desafios no que tange a aprendizagem e seus conteúdos.

Com todas essas questões a serem superadas a frase "você deve enfrentar seus medos" cai como uma avalanche. A exposição é a pior situação que um aluno(a) introvertido(a) pode ser submetido(a).

As avaliações de proficiência de leitura, os debates, as apresentações orais e até as chamadas orais, são grandes inimigas desses(as) alunos(as). E qual é a saída? Enfrentar, é claro! Será mesmo?

A escola produtora de traumas, crianças e adolescentes

Será que expor uma criança ou adolescente, que tem dificuldade de falar em público, vai ajudá-lo a superar, ou vai criar um trauma, que poderá futuramente culminar em transtorno de ansiedade?

Será que criar espaços e situações competitivas onde sempre tem ganhadores e perdedores irá fortalecer o ego desses(as) alunos(as)? Ou trará mais insegurança, criando rótulos para aqueles com maior dificuldade, com um olhar fatalista em seu futuro?

Entendendo nossa responsabilidade enquanto pais e professores

Esses questionamentos nos levam a refletir o quanto nós adultos (pais, professores e outras pessoas do convívio da criança) temos o poder de criar crianças neuróticas (no sentido patológico), sem ter a mínima ideia dessa possibilidade. Quando um(a) professor(a) obriga o(a) aluno(a) a falar em público, sem procurar em saber se está preparado, está abrindo espaço para que um trauma se instale.

Lembrando que esse preparo pode estar relacionado ao tempo de maturidade e conquista de segurança de forma natural ou com auxílio de terapia.

Tive uma experiência de observar uma brincadeira, de alunos de 5° ano, de perguntas e respostas, como o famoso jogo "passa ou repassa" e percebi que alguns alunos estavam tensos em vez de curtir a proposta e auxiliar os colegas durante as respostas. Isso se devia ao fato da professora sortear os alunos que deveriam ir a frente da sala para responder em vez que criar um ambiente de alegria, entretenimento e participação espontânea.

Questões emocionais

Posso dizer, com toda a certeza, e com o tempo de experiência que tenho, que essa professora não conhecia seus alunos, desconsiderando qualquer observação acerca das questões emocionais (ou socioemocionais) apresentadas por eles.

Não se preocupou em criar um ambiente acolhedor, onde todos pudessem interagir e participar de acordo com suas habilidades, criando espaço para cada um exercer seu papel, seja sendo o representante do grupo, ficando a frente, seja dando suporte com possíveis respostas ou até torcendo e motivando a equipe.

Esse é o papel do(a) professor(a), criar condições saudáveis de crescimento e aprendizagem.

Conclusão


Não é incorreto ter de enfrentar os medos para superá-los; mas isso ocorrerá quando a pessoa estiver pronta. Ninguém é obrigado a
 passar por situações que lhe agridam emocionalmente. Ninguém deve ser exposto, também, a situações desagradáveis com a proposta de superação.

A criança, desde pequena, deve se sentir segura e acolhida nos ambientes que frequenta e entender que pode escolher participar ou não de brincadeiras ou atividades, sem deixar de interagir, aprendendo e trocando com seus colegas e com os adultos que tem contato, dentro de suas condições e possibilidades.

Criando um ambiente acolhedor que respeite a necessidade, especificidade e o tempo de cada um, o (a) professor(a) possibilitará um desenvolvimento psíquico saudável de seus(suas) alunos(as). É preciso que as crianças e adolescentes tenham liberdade de escolha, de decisão e de ação. Precisamos ficar atentos aos sinais que nos apresentam e mais do que isso, precisamos fazer do espaço escolar um ambiente rico em boas relações, respeito e trocas positivas, promovendo  o desenvolvimento psíquico saudável e não criando pessoas neuróticas, com questões emocionais que poderão levar a consequências devastadoras no futuro.

O princípio do prazer e a criança com deficiência


O princípio de prazer é o propósito dominante dos processos inconscientes (processos primários), isto é, busca proporcionar prazer e evitar o desprazer.

Evitar o desprazer significa afastar-se de qualquer evento que possa despertar desprazer, que causa desconforto ou sofrimento, justamente o que caracteriza o recalque. Por outro lado, o princípio de realidade regula a busca pela satisfação levando em conta as condições impostas pelo mundo externo e, segundo Freud, vem substituir o princípio de prazer como uma proteção e não como uma deposição deste último.

E qual a importância dessa informação para o trabalho na Educação Especial?

Como já falei anteriormente, não pretendemos realizar análise com crianças com deficiência, mas a Psicanálise é um recurso importantíssimo para entender essa criança, seus medos, inseguranças, o motivo de certas reações e atitudes, seus desejos e suas frustrações, direcionando o trabalho pedagógico.

Sabemos que a criança com deficiência intelectual apresenta inúmeros prejuízos. Além das habilidades cognitivas, apresentam comportamento imaturo, problemas no juízo de valor, no planejamento das ações e até nos cuidados corporais.

É importante o entendimento de que se há prejuízo intelectual, também há prejuízo na estruturação de seu aparelho psíquico.

Assim, percebemos que, em alguns casos, permanecem em um estágio inferior ao esperado para sua faixa etária. Não que exista um padrão rígido para o desenvolvimento psíquico, mas em alguns casos percebemos uma estagnação em uma determinada fase (oral, anal, fálica, latência e genital).

Há crianças que devido ao grau de comprometimento, estão totalmente voltadas para o ID, operando no princípio do prazer.

São crianças acostumadas a receber apenas, desde os alimentos até o cuidado de suas necessidades básicas, onde suas vontades são atendidas e ao menor sinal de negativa, do adulto responsável, torna-se agressiva, apresentando tanto a autoagressão como a heteroagressão, pois não sabem lidar com o não e com a frustração.

Normalmente são crianças que apresentam certa ansiedade pela comida, se manipula, como forma de explorar o corpo buscando por prazer, não demonstra iniciativa e espera que tudo seja feito por ela, inclusive colocar comida em sua boca.

Só se importam com o que lhe dá prazer.

Quando a criança também apresenta o diagnóstico de TEA, é comum entendermos o comportamento disruptivo como consequência de algo que a incomoda, como excesso de estímulos sensoriais, justificando sua atitude. Mas de certa forma estamos rotulando essas crianças, pois o comportamento inadequado não é condição desse quadro de deficiência e sim uma possibilidade.

A criança no princípio do prazer faz birra sim, pois quer garantir que seus desejos sejam atendidos! O adulto existe para satisfazê-la.

É importante que o professor tenha esse conhecimento, pois dessa forma poderá promover ações que visam o desenvolvimento de sua autonomia, sempre em parceria com a família, orientando-os e auxiliando a lidar melhor com esse processo. Explicando que um hábito negativo, não pode ser retirado do dia para a noite.

O ideal é substituí-lo por hábitos positivos, incentivando e parabenizando a criança nas boas ações, criando espaço para mudanças psiquicas, onde o prazer adquira um outro significado, direcionando-o para as reações positivas dos familiares.

Dessa forma, aos poucos, a criança sentirá um prazer diferenciado, que está voltado para suas próprias realizações, se aproximando do princípio da realidade, criando espaço para novas aprendizagens, ainda que dentro de um quadro complexo de deficiência.

Referências

Freud, S. - A interpretação dos sonhos [1900] in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1980.

Freud, S. - Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental [1911] in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 

A Psicanálise e o transtorno de identidade de gênero



Uma grande discussão na atualidade dentro do contexto da sexualidade diz respeito a identidade de gênero, mais especificamente ao transtorno de identidade de gênero.

A confusão está no fato da não compreensão de estar relacionado a uma escolha/decisão da pessoa, ou a um quadro de saúde mental.

Para melhor compreensão, o transtorno de identidade de gênero é caracterizado por uma forte identificação com o gênero oposto, por um desconforto persistente com o próprio sexo e por um sentimento de inadequação no papel social deste sexo.
Essa é uma condição que causa um grande desconforto e sofrimento psíquico. Além disso, está relacionado a prejuízos no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida de um indivíduo dificultando sua inserção no meio.

Em alguns casos, chega a um ápice de sofrimento que leva o indivíduo ao abuso de álcool, entorpecentes e até a morte (suicídio).

Desde a última metade do século XX, os avanços científicos do ponto de vista clínico, têm favorecido o estudo deste transtorno, com vistas para uma maior aceitação social, assim como a possibilidade de um tratamento integral de forma a intervir e orientar para uma redesignação sexual.

No entanto, essa condição ainda continua sendo pouco conhecida pela maior parte da sociedade, inclusive pelos próprios profissionais da saúde mental, que pelo desconhecimento adotam um tratamento que visa curar a pessoa do "delírio" de ser outra pessoa, com outro sexo.

A questão aqui a ser analisada é se de fato trata-se de um transtorno mental ou quadro psiquiátrico e como a psicanálise pode dar suporte a esses casos.
Em 2018, a Organização Mundial de Saúde anunciou, durante lançamento da CID 11(Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde ), a retirada dos transtornos de identidade de gênero do capítulo de doenças mentais, passando a ser utilizado o termo incongruência de gênero, inserido no capítulo sobre saúde sexual.

Ainda segundo a OMS, existem evidências de que a incongruência de gênero não se trata de um transtorno mental, havendo a necessidade da oferta e garantia de atendimento às demandas específicas de saúde da população nesse perfil. Explicando, assim, o fato de o termo não ter sido retirado totalmente da CID.
Além disso, a Organização destacou ser um passo importante para a redução do estigma e da discriminação em relação à essa população e para a garantia dos direitos de acesso à saúde.

O DSM V, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, atualmente utiliza a classificação de "disforia de gênero" como distúrbio mental, deixando de usar o termo transtorno de identidade de gênero e transgênero por não ser o termo médico adequado.

É importante ressaltar que a mudança de termos ou conceitos não é o grande problema, mas sim o entendimento do sofrimento que a pessoa nessa condição apresenta. Se, de fato, se tratar de uma condição de saúde mental, como podemos auxiliá-la? Mas, e se for apenas uma identificação da pessoa com outro sexo, como uma escolha, onde o sofrimento está relacionado ao fato de não ser aceita pelos demais (família e sociedade) e não necessariamente ao fato de não ser quem gostaria?

A identidade de gênero diz respeito ao gênero com o qual uma pessoa se identifica. No caso das pessoas transgênero, essa identificação não corresponde ao sexo biológico.

Algumas teorias buscam explicar a transgeneridade através de fatores biológicos, psicológicos e socioculturais, ou seja, ainda é um campo desconhecido, podemos dizer assim.

O que nos faz refletir se o suporte que essas pessoas vêm recebendo está de acordo com sua real necessidade.

São inúmeros os tratamentos oferecidos, inclusive medicamentoso. Mas é de tratamento que a pessoa necessita? Será que explicar que biologicamente o indivíduo é homem e querer ser mulher é errado, faz parte de uma abordagem terapêutica?
Acredito que o transtorno de identidade de gênero ainda não tenha uma classificação real, assim como falta muita compreensão para dar um suporte e auxílio efetivo.

Daí pensar que a psicanálise pode ter uma resposta mais aceitável a esse respeito, chegando no cerne da questão; oferecendo a análise como forma de fortalecer o ego e trabalhar com a aceitação dessa condição, promovendo momentos de reflexão para que o indivíduo busque se compreender e se tornar quem ele realmente deseja ser.

Não se trata de delírio, mas sim de identidade, como o próprio nome diz.
A busca da aceitação não está fora, mas sim dentro e essa reflexão não vem através de medicamentos, mas sim de uma ação real enquanto analisando.
Pensando em tudo isso percebemos que a questão principal não passa pelos consultórios de psiquiatria e tão pouco está descrita nos manuais classificatórios, que é como aquela pessoa se sente. Quais são seus sonhos, planos e desejos? O que quer para sua vida? O que gostaria de ser, de fazer e de ter? Enfim, não apenas ver a questão da identidade de gênero, pois sua identidade vai além de seu gênero. A real identidade é a construção de si mesmo enquanto ser humano, olhando para dentro, se gostando, se respeitando, ainda que um dia se vista como homem e outro como mulher.

A real questão ou condição é que a essência permanece a mesma.

O tabu da sexualidade infantil


Falar em sexualidade infantil sempre foi um grande tabu.

Isso devido ao fato de termos a imagem da criança como alguém ingênuo ou como dito nas religiões de forma geral, alguém inocente, imaculado ou sem pecados.
Se atualmente esse assunto é evitado e causa grande discordância entre diversas áreas de estudo e pesquisa, imaginemos no final do século XIX e início do século XX o escândalo que deve ter sido a teoria do desenvolvimento psicossexual de Freud.
E não poderíamos esperar algo diferente! É muito complicado compreender que esse ser vulnerável e inocente possa ter desejos libidinais e, em dado momento, apresentar desejo por seu próprio pai ou sua mãe.
A criança, de fato, é um ser vulnerável e dependente das ações dos adultos, porém seu desenvolvimento de forma geral é bem complexo.
Acreditamos que tudo ocorre de forma natural; o avanço de cada etapa segue uma sequência linear, como rolar, sentar, engatinhar, ficar em pé com apoio, sem apoio, andar, correr, falar e etc. Como se não houvesse esforço, mas nada é tão simples. Existe uma gama de mudanças biológicas, orgânicas e psíquicas que ocorrem nesse processo.
Atualmente, sabemos que não se trata apenas do desenvolvimento motor ou intelectual, mas uma construção de processos interligamos, que irão compor a personalidade da criança e formarão sua psique.
Ainda assim, existe uma resistência em considerar o desenvolvimento psicossexual ao analisar questões comportamentais especificas de jovens ou adultos, relacionados a transtornos, procurando alguma situação traumática vivenciada, mas de forma aleatória e como único fator de causalidade para o desencadeamento daquela questão psicopatológica.
É aí que vemos a grande contribuição de Freud, ao explicar que problemas em uma das fases do desenvolvimento sexual pode ter graves consequências na idade adulta, com grandes prejuízos para o convívio social e nas questões cotidianas.
Durante cada fase, a criança passa por conflitos entre impulsos biológicos e expectativas sociais. Se ela passar de forma bem-sucedida por esses conflitos internos, acabará tendo domínio de cada estágio de desenvolvimento e, finalmente, obterá uma personalidade totalmente madura.

Para melhor compreensão segue um breve resumo.

Fase Oral (Nascimento até 1 ano)
Nesse primeiro estágio a libido é centrada na boca do bebê, ou seja, seus prazeres são orais ou orientados para a boca, como sucção, mordida e amamentação. A frustração em obter esta satisfação, ou a estimulação oral exagerada pode levar a uma fixação oral mais tarde na vida. As pessoas que podem ter esta "personalidade oral" seriam os fumantes, os roedores de unhas e chupadores de polegar. Estas pessoas se envolvem em tais comportamentos orais, principalmente quando estão sob estresse.

Fase Anal (1 a 3 anos)
Nesta fase a libido se concentra no ânus, e a criança sente grande prazer em defecar.
Freud acreditava que esse tipo de conflito tende a surgir no treinamento do uso do vaso sanitário, no qual os adultos impõem restrições sobre quando e onde a criança pode defecar. A natureza desse primeiro conflito com a autoridade pode determinar o futuro relacionamento da criança com todas as formas de autoridade. Tudo isso está relacionado ao prazer de segurar as fezes quando crianças. A mãe então insiste que a criança se livre dessas fezes de modo adequado, colocando-a no vaso sanitário até que se aliviem.

Fase Fálica (3 a 6 anos)
A sensibilidade na fase fálica se concentra nos órgãos genitais, e a masturbação (em ambos os sexos) se torna uma nova fonte de prazer. A criança toma consciência das diferenças anatômicas sexuais, que desencadeiam o conflito entre atração erótica, ressentimento, rivalidade, ciúme e medo. Surge o complexo de Édipo.
Esse conflito é resolvido através do processo de identificação, no qual a criança adota as características dos pais do mesmo sexo.

Fase de latência (6 anos à puberdade)
Latente significa "oculto". Isso significa que nesta fase não há mais desenvolvimento psicossexual. A libido está adormecida.
Freud pensou que a maioria dos impulsos sexuais é reprimida durante o estágio latente. Assim, a energia sexual é sublimada. Isso quer dizer que grande parte da energia da criança é canalizada para o desenvolvimento de novas habilidades e a aquisição de novos conhecimentos.

Fase genital (puberdade para adulto)
Este é a última fase da teoria do desenvolvimento psicossexual de Freud e começa na puberdade. É um momento de experimentação sexual adolescente, cuja resolução bem-sucedida é estabelecer um relacionamento amoroso com outra pessoa. O instinto sexual é direcionado ao prazer obtido através do outro, ao invés do prazer próprio, como no estágio fálico.

A partir dessas informações podemos compreender a importância da criança passar por um desenvolvimento psicossexual saudável, assim como fica claro o quanto esse desenvolvimento deve ser olhado com maior seriedade, sem preconceito, pois ele faz parte de condição humana.

Apenas quando nos despirmos desse julgamento é que poderemos pensar em ações preventivas para as psicopatologias que vem acometendo cada vez mais jovens, adultos e nos últimos tempos crianças.

Referências
 
Freud, S. Resumo das Obras Completas. Rio de Janeiro. São Paulo. Livraria Atheneu, 1984. Zimerman, D. E. (1999). Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica. Porto Alegre: Artmed.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimento_psicossexual
https://psicoativo.com/2016/04/as-5-fases-do-desenvolvimento-psicossexual-de-freud.html

terça-feira, 11 de junho de 2024

A teoria do trauma



O termo trauma foi utilizado por Freud como forma de descrever impulsos, desejos, experiências dolorosas ou inaceitáveis para o consciente, que ao virem à tona na memória do sujeito podem causar grande sofrimento ou conflito psíquico. Para algumas pessoas a lembrança da experiência traumática é tão insuportável que, como forma de proteção, acaba sendo recalcada no inconsciente.

Como funciona nossa psique?

Nossa mente, ou psique, é como um sistema de memórias e ideias, oriundas de nossas experiências, que criam representações que serão implantadas e integradas ao nosso ego, em nosso consciente, com o objetivo de trazer estabilidade à pessoa. Cada nova informação, nova experiência, deixará uma representação que o ego procurará integrar e encaixar de alguma forma nesse sistema de memórias.

O ego gosta da certeza, daquilo que produz sentido, e evita aquilo que o desequilibra, tentando criar um sentido até onde não há sentido, minimizando os impactos no consciente. No entanto, o ego tem um limite. Experiências e representações das quais não está pronto para receber, e não podem ser integradas a mente, ao eu, acaba sendo cindidas, permanecendo no inconsciente. Essa permanência não se dá forma passiva, pois deixa uma marca, um registro, que tentará vir à tona de tempos em tempos. A esse estímulo para qual a mente não tem resposta é o que Freud chamou de trauma.

De onde vem o trauma?

Esse trauma pode estar relacionado as situações de abuso, abandono, separação, perdas, violência sexual, física ou psicológica, e até situações onde a pessoa foi exposta a um susto/medo intenso. Porém, é importante dizer que a criação ou instalação de um trauma é subjetiva, significando que o que pode ser traumático para um pode não ser para outro.

Tudo depende de como a situação é recebida, dos fatores ou características individuais e da forma como cada pessoa lida com suas experiências. Isso se deve ao fato de cada pessoa ter vivências e experiências em suas vidas, desde a infância, que auxiliarão na construção de seu aparelho psíquico, de forma que cada um terá sua realidade psíquica, ou seja, sua forma de ver o mundo.

Essa realidade psíquica estará diretamente relacionada ao desenvolvimento psicossexual, do ponto de vista de Freud, ou do ponto de vista de Winnicott, a partir de uma mãe e ambiente suficientemente bons ou não bons.

Um ego fortalecido poderá lidar com algumas situações desafiadoras sem que se tornem traumáticas levando a uma condição psicopatológica. Já, um ego frágil ou vulnerável estará submisso às situações do cotidiano, sejam elas quais forem, com grandes desafios e enfrentamentos, ou pequenos eventos, que para alguns passariam despercebidos, como uma simples ofensa; mas, que para outros com uma psique frágil pode tornar-se algo grandioso, com marcas profundas.

Consequências do trauma

Quando uma pessoa vivencia um trauma, ocorre uma sobrecarga no aparelho psíquico, pois o inconsciente impulsiona essas lembranças para o consciente e o pré-consciente cria mecanismos de defesa de forma que o afeto e conteúdo recalcados, muitas vezes destorcidos e deformados, não cheguem à consciência (retorno do recalcado). Esse processo ocorre de forma involuntária.

Toda essa ação demanda muita energia e acaba provocando sintomas como ansiedade, pesadelos, distúrbios do sono, dificuldades de concentração e doenças psicossomáticas, que são manifestações no corpo físico.

Onde há um trauma, o tempo para. Ele fica no inconsciente, no exato momento em que ocorreu e ainda que passem muitos anos, o sofrimento pela perda, ou qualquer outra situação, terá a mesma intensidade. Isso porque o inconsciente é atemporal. É comum o analisando chegar na clínica com sintomas, mas sem reconhecer ou saber que tem um trauma, o que não significa que essa representação esteja totalmente adormecida.

O setting analítico

A análise no setting analítico envolve a investigação da causa dos sintomas apresentados, promovendo a elaboração das memórias traumáticas e dos processos inconscientes que podem estar associados a elas.

A proposta de associação livre, onde o paciente é encorajado a expressar livremente seus pensamentos, sentimentos e sensações, visa o acesso ao conteúdo traumático, aliviando os sintomas e promovendo uma reorganização psíquica. O conteúdo inconsciente deverá ser trazido ao consciente para ser elaborado e ressignificado.

Conclusão

É importante destacar que a abordagem psicanalítica do trauma pode diferir de outras abordagens terapêuticas, por buscar uma compreensão mais profunda dos processos inconscientes e latentes do trauma, eliminando o sofrimento do sujeito, lhe dando condições para uma vida produtiva com melhor e maior qualidade.

Na psicanálise não falamos em cura, mas em autoconhecimento.

Existe técnica específica na Psicanálise?


No livro Fundamentos da clínica psicanalítica, no capítulo "sobre o início do tratamento", Freud faz uma interessante comparação sobre as regras para o exercício do tratamento psicanalítico com o jogo de xadrez, onde apenas as jogadas de abertura e as finais permitem uma representação exaustiva, enquanto as demais jogadas, a partir da abertura, acabam por frustrar tal representação.

Dessa forma, ele busca reunir algumas regras para o início do tratamento de forma a auxiliar o analista praticante, porém apresenta essas regras como "recomendações", não havendo obrigatoriedade em sua utilização.

Isso, devido ao fato de lidarmos com seres humanos, com suas singularidades psíquicas e com a plasticidade dos processos anímicos, inviabilizando uma técnica mecanizada. Acontece que um procedimento considerado justificável pode se tornar sem efeito em determinados casos, e um procedimento considerado errôneo ou inadequado pode, em alguns casos, levar ao objetivo esperado.

A frase "cada caso é um caso" cabe bem nessa explicação.

Com relação às recomendações citarei as mais importantes no contexto da clínica psicanalítica.

A seleção dos pacientes: existem casos que podem ser recusados, por inúmeros motivos; mas o mais importante é ter a compreensão de que o analista não é obrigado a aceitar todos que o procuram. 

Tempo para diagnosticar: é preciso ter tranquilidade para realizar o diagnóstico psicanalítico. O analista pode, a princípio, ter um olhar para um quadro específico, dentro das neuroses, e depois compreender que de fato, trata-se de uma questão neurológica, com a demência.

 Não tratar pessoas das relações do analista: como explicado em um dos artigos do blog, a transferência é fundamental para que a análise ocorra, ou seja, o analisando vê o analista como alguém relacionado a sua vida, como um pai, tio, professor, enfim...essa transferência fica prejudicada quando há, de fato, uma relação entre analista e analisando, causando sérios prejuízos que poderão refletir no contexto do qual fazem parte.

 Tempo e dinheiro: com relação ao tempo é importante considerar que por lidar com questões do inconsciente reprimidas/recalcadas, não há previsão de tempo de duração. E com relação ao dinheiro, Freud fala sobre a Psicanálise ser acessível às camadas mais pobres, e embora o contexto fosse outro, algumas coisas não mudaram. Até porque a proposta apresentada era de cinco sessões semanais e atualmente sabemos o quanto é difícil fazer 2 por semana, sendo comum 1 sessão semanal.

 Uso do divã: o uso do divã tem grande importância no setting analítico (clínica analítica), pois promove o relaxamento do analisando auxiliando na livre associação. Outro detalhe é que o analista não fica de frente ao analisando, permitindo que este fique mais a vontade.

Como iniciar o tratamento?

O analisando deverá falar a respeito do motivo de estar ali, de ter procurado a Psicanálise; poderá iniciar pela história de vida, história da doença, ou alguma lembrança da infância. Estará livre para falar de si próprio.

Associação livre e atenção flutuante.

Entre todas as recomendações, a única questão que Freud fez, foi que a Psicanálise seja fiel aos seus preceitos, ou seja, o trabalho investigativo do inconsciente ocorre a partir da livre associação de ideias, onde o analisando fala tudo o que lhe vem a mente e o analista estará atento a algumas questões como, a troca ou esquecimento de nomes de determinadas pessoas, troca de palavras, demonstração de desafeto em alguns relatos, chistes, conteúdos de seus sonhos, postura e atitude do analisando, entre outros.
Dessa forma o analista deverá manter sua atenção flutuante, ou seja, panorâmica, sem se apegar a detalhes, mas mantendo-se aberto a tudo o que pode ser-lhe apresentado e dar algumas respostas para certas indagações.


Referência

Freud, Sigmund. Fundamentos da clínica psicanalítica. Editora Autentica, 2017.

 


Consciente X Inconsciente

Em nossa cultura é comum aprendermos desde cedo a racionalizar, sem de fato ter a noção desse mecanismo de defesa, mas pensando que ter uma explicação lógica para todas as questões humanas ou situações resolverá todos os nossos problemas.

A reflexão trará todas as respostas, essa é a premissa.

Se estamos ansiosos procuramos uma resposta racional e objetiva, "provavelmente é porque terei uma prova ou precisarei falar em público, depois isso passará".

Se estamos tristes, "é porque terminamos um relacionamento" e assim vai...
Na verdade esse racionalizar nada mais é do que uma desculpa para os sentimentos que enfrentamos cotidianamente, desculpas conscientes que criamos como forma de resolução para os problemas que nos afligem.
A questão é que, essa ansiedade começa a se repetir em outras situações, assim como essa tristeza, tendo como consequência reações orgânicas ou físicas, que podem perdurar por longos períodos e vão se agravando até o momento que não temos mais o controle, e explicar esses episódios de forma lógica não nos dará as respostas corretas, nem trará a cura desses sintomas. E pronto! Transtorno de ansiedade e depressão instalados com sucesso!

Essa é a cultura do consciente! Explicações simplistas para questões complexas, sem ter a real ideia dessa complexidade.

O mundo contemporâneo nos habilita para esse tipo de comportamento, ou seja, assim como a tecnologia, procuramos resolver tudo com grande velocidade e de forma robotizada, repetindo para nós mesmos que "tudo está bem".
Os compromissos e tarefas diárias são intermináveis, precisamos dar conta de tudo e findar o dia nos sentindo como super homens e super mulheres; a sensação de dever cumprido vale todo o cansaço e esgotamento mental. Será?
Até quando nos sujeitaremos a intermináveis tarefas e compromissos? Acreditando em uma energia inabalável?

A cada dia nos assemelhamos mais aos computadores, do ponto de vista da quantidade de processamento de tarefas, mas só compreendemos nossas limitações quando apresentamos "defeito", e aí pode ser tarde.
Começamos a nos perguntar o que está errado, mas "pode ser stress apenas". Tirar férias ou procurar um robby pode resolver.

Até pode ajudar, mas não resolverá o problema, apenas deixará a real causa mais escondida. Aí que entra o inconsciente!

Desconsiderado por muitos, acaba nos pregando peças, pois aquilo que está guardado ou "recalcado" pode vir à tona a qualquer momento.

Como disse anteriormente, vivemos em uma cultura do consciente, com suas explicações lógicas e simplistas e não aprendemos que nossa constituição psíquica possuí um inconsciente de grande importância, que nos protege de determinados sofrimentos, mas que se mantém ativo, nos avisando para ir com calma.
Nos sentimos compelidos a buscar ajuda, porque determinados sintomas fogem a regra do que é normal, porém ainda mantemos hábitos anteriores e, queremos a resolução para ontem, de forma rápida como tudo em nossa vida. Um medicamento que resolva todos os problemas ou uma terapia com cura mágica.
Não há como isso acontecer. Os sintomas foram se instalando aos poucos, devido as questões ocorridas lá na infância e ano após ano reforçados pela vida autômata que vivemos.

É preciso considerar o inconsciente como peça fundamental de nossa psique, entender que toda nossa vida tem um registro e impressões que ficam retidas no inconsciente e no consciente.

Viver não é fácil, mas pode se tornar melhor e prazeroso no momento em que entendemos que não precisamos ter tudo e dar conta de tudo, e que podemos errar, quantas vezes for necessário, até aprendermos.

A questão é que não existe uma rixa entre consciente e inconsciente, mas uma condição responsável por nos manter em equilíbrio.
Segundo Freud, o consciente é responsável por tudo o que podemos chamar de visível ou acessível e que temos acesso pela realidade.
Já o inconsciente é uma parte insondável, guardada nas profundezas de nossa mente, e não está acessível a nossa compreensão.

A proposta aqui não é me estender no pré-consciente, mas para efeito de dúvidas, este armazena informações que podem ser buscadas ou retomadas a qualquer momento.

Entender que somos um complexo psíquico relacionado com consciente, pré-consciente e inconsciente, e que precisamos considerar o inconsciente como parte importante de nossa psique, racionalizando menos e nos permitindo sentir mais, tendo um olhar para possíveis sintomas que podem surgir aos poucos, buscando compreender as questões que parecem perdidas ou inacessíveis no inconsciente, antes que venham à tona de forma desorganizada, causando grandes prejuízos psíquicos, fará grande diferença em nossas vidas.
Quando o inconsciente dá sinais, é preciso ouvir. E acreditem, ele dá pequenos sinais de que aquele conteúdo recalcado (reprimido) está se tornando mais palpável.
É preciso usar a consciência para compreender o que está vindo do inconsciente.
Enfim, é preciso sair do automatismo e dar mais espaço e significado aos nossos sentimentos.
O consciente e o inconsciente são maleáveis, não são estáticos, não existe uma barreira impermeável entre essas estruturas e em algum momento o conteúdo do inconsciente pode chegar à superfície em forma de sintomas e é importante que o consciente faça essa leitura.

Referências


Freud, S. (1980). Artigos sobre a metapsicologia. O inconsciente. In S. Freud, Obras completas (Vol. 14). Rio de Janeiro: Imago.

Freud, S. (1980). Artigos sobre a metapsicologia. Repressão. In S. Freud, Obras completas (Vol. 14). Rio de Janeiro: Imago.

Escola produtora de traumas: criando crianças neuróticas

Quando as crianças chegam ao ensino fundamental, surge uma mescla de sentimentos: ânimo por se sentirem quase adultos (pelo menos é o que pe...